segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

O Xaile



É há séculos peça de vestuário transversal à vida das mulheres. Nos nascimentos, nos eventos públicos, no luto e na dor. O xaile terá chegado à Europa depois de uma viagem desde a Ásia. Portugal acolheu-o  gradualmente. Encontramos-lo de Trás-os-Montes ao Algarve: de cercadura, xadrez, barra azul, seda, feltrado, chinês.
Os primeiros xailes que chegaram à Europa vieram de Caxemira, na Índia, «descobertos» por viajantes (principalmente ingleses) que os traziam como presentes para esposas, mães e filhas.
Diz-se que, em 1796, um persa cego chamado Yehyah Sayyid visitou Cachemira e o governador afegão ofereceu-lhe um xaile. Sayyid, por sua vez, ofereceu-o ao Quediva do Egipto, que o presenteou a Napoleão. Este deu-o à sua esposa, a Imperatriz Josefina de Beauharnais.

Em França o xaile causou inveja e em breve as mulheres elegantes procuraram por todo os meios obter o seu próprio xaile de Caxemira.

Os xailes tornaram-se o desejo de qualquer dama elegante da Europa. A raridade, elevado preço e muita procura fomentou o surgimento de imitações em França, Alemanha e Inglaterra, produzidas com lã de cabra, lã merina, de seda e de algodão.

Introdução em Portugal
O xaile terá chegado a Portugal sensivelmente na mesma altura que ao resto da Europa, diz-se que também trazido por marinheiros regressados do Oriente. Francisco Ribeiro da Silva detectou a presença de um xaile entre o rol das mercadorias confiscadas na Alfandega do Porto entre 1789 e 1791.


Como é óbvio, sendo um artigo contrabandeado significa que existia uma procura, um mercado. Seria um produto apenas ao alcance de alguns privilegiados. Por via do contrabando os ricos não privilegiados conseguiam obter produtos que os colocavam a par dos privilegiados e, aparentemente, o xaile seria um excelente sinal exterior de riqueza.


A inscrição da palavra «Chalé» no dicionário de António Morais Silva significa que esta peça de vestuário era já conhecida e utilizada em Portugal no primeiro quartel do século XIX.
  Xaile de origem espanhola estará directamente relacionada com o «Manton de Manila». Ao que se diz foi inventado pelas operárias das fábricas de tabaco em Sevilha. As folhas de tabaco vinham das Filipinas embrulhadas em panos chineses velhos, muito ornamentados e de forma quadrangular. As mulheres cortavam-nos e colocavam-nos em triângulo sobre os ombros deixavam os braços livres para trabalhar e simultaneamente protegiam do frio. Era prático, mesmo para uma saída rápida à rua.

António Morais Silva faz ainda referência à origem do xaile, situando-a na Índia Oriental e à sua difusão entre as mulheres da sociedade inglesa.

Como é do conhecimento geral, entre nós a moda foi sempre muito influenciada pelo estrangeiro e este terá sido o principal motor para a introdução do xaile em Portugal, sendo mais plausível que a palavra xaile provenha da denominação inglesa «shawl», do que da sua origem persa «Shãl» (shawl, chalé, xale, xaile).

Certo é que os primeiros xailes foram importados e simbolizavam estatuto social e poder económico só ao alcance de alguns.

A conjuntura sócio económica e a popularização do xaile:
O xaile só chega às camadas populares no início do século XX, em resultado de um conjunto de circunstâncias sócio económicas favoráveis.
Em 1913/1914 o preço de um xaile dos Pirenéus, vendido nos Armazéns do Grandela (Lisboa) variava entre os 3.600 e 5.500 réis. Por comparação, uma operária fabril ganhava entre 4.160 e 5.720 réis/mês

De artigo de luxo a peça de indumentária popular feminina:
A mulher camponesa sempre usou pelas costas uma espécie de agasalho, uma saia dobrada, capa, capucha, capoteira ou mantéu e finalmente apareceu o xaile. O xaile, beneficiando da nova conjuntura torna-se mais acessível às bolsas populares e contribui também imenso para o desenvolvimento da indústria.
Por outro lado a preferência popular pelo xaile decorre do facto de ser prático no uso diário (permitia maior amplitude e liberdade de movimentos); possui durabilidade (grande resistência, o que os tornava mais duráveis); facilidade de manter e acondicionar (não necessitava de grandes cuidados com limpeza e ocupa pouco espaço quando arrecadado); a função de compor a figura (uma mulher envolta num xaile escondia a pobreza do seu trajar, dando-lhe dignidade).

O xaile está assim presente em todas as ocasiões da vida da mulher-mãe: como aconchego para o recém-nascido, aos domingos e dias de festa é um complemento do melhor fato (o xaile como «tapa misérias»). Servia de peça de enxoval e complemento do trajo de noiva. Funcionava como resguardo do frio e da chuva.
Nos momentos de tristeza ajudava a esconder  a cara do sofrimento. No luto cobria o corpo. É a peça que melhor passava de mãe para filha, uma vez que na maioria das vezes nada mais havia para herdar.


Embora possamos encontrar xailes em todas as regiões do país, o gosto, os costumes locais e a riqueza da região ditaram preferências por determinados tipos de xaile.

Em Trás-os-Montes e nas Beiras o xaile é negro, seja domingueiro ou de uso diário. No Alentejo, Ribatejo e Algarve além do negro, surgem outras cores, como o castanho ou o cinzento, lisos ou com padrões sóbrios.


O xaile adquire expressão máxima na região da Beira Litoral, sobretudo nos distritos de Aveiro e Coimbra, que considero a «Capital do Xaile». Nesta região, o gosto popular pelo uso do xaile enquanto complemento e adorno do traje, levou ao uso de uma multiplicidade de tecidos de materiais diversos, de padrões, de estampados e de cores inaudito e singular, fomentando uma indústria e um conjunto de artes e ofícios intimamente relacionado com esta peça de vestuário


 


 Nota;) O texto aqui reproduzido é uma súmula da apresentação que Carlos Cardoso, autor do blogue Trajes de Portugal, fez nas XVII Jornadas Técnicas de Etno-folclore, organizadas em Novembro de 2011 pela Associação de Folclore e Etnografia da Região do Mondego na Casa Municipal da Cultura, em Coimbra.

terça-feira, 1 de dezembro de 2015

EM MEU ENTENDER…

     Há uns tempos atrás li um texto de opinião do meu amigo Senhor Lino Mendes e o achei interessante e por isso resolvi o publicar aqui,   para que todos que gostam de folclore o possam usar como um guia para uma possível ajuda. Desde já peço ao meu amigo as minhas desculpas por o publicar sem a sua permissão .
  

O que é/deve ser, então” um “grupo de folclore”?


Digamos que um “museu vivo” dos tempos de antigamente, quando as comunidades eram a expressão do tradicional. E para o efeito tudo o que se necessita se vai buscar ao folclore. Sem que haja uma data certa para todas as regiões, penso eu que o folclore deixou de evoluir como tal entre finais do século XIX, início do século XX, indo até mais ou menos aos anos 20/30— conforme a chegada do progresso. Escolhido então o período que se pretende abranger, as primeiras questões que se nos colocam é saber como vestiam, o que cantavam, o que bailavam e como o faziam –o que depois vai estar interligado com muitas outras questões Mas atenção que o “Folclore” não é apenas e para além do trajo, o “cantar” e o “bailar” mas todas as vivências do povo nesse tempo.
     
Trajos

Há que saber o que vestiam, tanto o homem como a mulher, de semana e ao domingo, festas e romarias, casamentos, no trabalho, nas diversas circunstâncias. O que tem a ver como o modelo da peça e o respectivo tecido.

Cantigas:
 A letra e a melodia, que hoje é possível gravar e passar a “pauta ”para que se mantenha     
     sem alterações.

     Modas/Peças

     Ver qual a coreografia que se usava.


      Nota final:
    Tem que haver rigor. Claro que as recolhas não nos dão o “puro” ou o “genuíno” como       alguns afirmam. Mas o “mais representativo possível” não pode haver qualquer alteração, só  porque fica mais bonito, só porque o ensaiador assim entende.
Como compreenderão, não podemos aqui entrar no pormenor, pois como repetiremos a seguir, cada terra com o seu uso…..
Quanto aos trajos que vão/ou estão a usar, há quem escolha, por exemplo, só o domingueiro. Claro que respeito a ideia, porque quem manda no grupo é o próprio grupo, mas eu considero que deve haver a maior variedade possível de trajos pois só assim ali estará a imagem do povo..

Mas eu não tenho a verdade absoluta nem sei tudo…

Nota;) As fotos são um acrescento meu .


quarta-feira, 26 de agosto de 2015

A Religiosidade do Povo e o Folclore em Portugal




Com o devido respeito e de uma forma pedagógica, aqui reproduzo, para um melhor entendimento dos usos e costumes de então:
Esta imagem retracta com clareza uma missa do século passado.
O mobiliário da Igreja não contemplava bancos para o povo, quem tinha o seu banquinho próprio deixava-o na igreja.

A disposição de género era mesmo assim, , os homens estavam sempre com a cabeça descoberta, enquanto a mulher tinha de estar eximiamente com a cabeça coberta, até a mais nova rapariga entrava de cabeça coberta. Os tons usados da roupa para ver a Deus eram sobretudo escuros, não se vendo saias claras, nem xailes coloridos, pois na Igreja pretendia-se recato para a penitência e não luxúria nem extravagâncias.

 As missas eram em Latim, a Doutrina pós-Concílio de Trento. Qualquer interessado, e pessoa que se devote à pesquisa da essência do nosso povo não pode, nunca esquecer toda uma Doutrina, e influências religiosas que moldaram o viver do nosso povo durante séculos. Serve então este texto  para alertar para isso mesmo: não só alertar para o que havia de 'religiosidade popular' mas também quais eram os ensinamentos, Doutrina e funcionamento da Igreja à época. Folclore também é o estudo e divulgação da religiosidade ancestral do nosso povo.


 A representação histórica da cultura do nosso povo é fundamental para percebermos as nossas raízes, a nossa identidade. Somos assim porque nascemos assim, porque o nosso povo nos ensinou a ser assim, porque os nossos pais, os nossos avós nos transmitiram crenças e valores e nos apontaram caminhos. 
Daí que os grupos de folclore tenham uma missão e essa missão deve ser respeitada. Ao ser envergado, um trajo tem um significado, um valor intrínseco, pelo que os componentes que o vestem estão a representar uma época, uma personagem, uma cultura, um modo de pensar, de agir, de sentir. Há coisas boas e más no passado. Mas todos temos uma ligação com ele. A Igreja também tem fortes ligações com o passado. A história é económica, é cultural, é social, mas também é religiosa .

sábado, 15 de agosto de 2015

Conceitos e Fundamentos



(Nota ;Este  titulo e  as fotos  não são do autor)


Autor ; Custódio Rodrigues


Afinal muita coisa há ainda a fazer no movimento folclórico em Portugal, a julgar pelas recentes escaramuças protagonizadas por alguns defensores do folclore-pimba e outros indivíduos mais esclarecidos que não se revêem de jeito algum na pouca-vergonha que continua a colocar o país no rol do anedotário europeu em termos da cultura popular tradicional, vertente onde aliás somos muito fortes devido ao vasto espólio que ainda conservamos, fruto de um largo período de estagnação tecnológica, industrial, social e cultural em relação aos restantes parceiros europeus, por culpa da política fascista do Estado Novo.


Quando por diversas vezes tive que soletrar o B, A, Ba do Folclore, aflorar temas primários onde assentam as bases de trabalho para a pesquisa e preservação das nossas tradições ancestrais, houve por aqui distintas figuras que ficaram muito melindradas pela repetição contínua de temas já ultrapassados, diziam. Afinal toda essa retórica foi/é notoriamente insuficiente ou as mensagens não conseguem passar, para elucidar convenientemente os agentes que proliferam e demandam no movimento folclórico do nosso país. Vide as declarações avulsas e gratuitas da parte de gente sem formação e educação, quando alguém ousa criticar a miséria que alguns (muitos, muitíssimos) grupos/ranchos transportam e apresentam. É triste e dói ser maltratado por gente ignorante e sem princípios que arriscaria a dizer, transformam meros grupos de aeróbica em seitas do culto de histerismo do “Falklor”. Epá, as pessoas não sabem e não querem saber e ainda por cima são intratáveis, fazem da provocação e do insulto a sua arma de arremesso para combater quem lhe tenta incutir uma visão mais consentânea com a verdade das suas tradições. «Chiça… Cum Caraças…» que me fazem tirar do sério. Alturas há que quase perco as estribeiras e até agradeço não estar nesses momentos cara a cara com alguns desses «mens», não sei se não desceria ao seu nível (baixo) e resolveria alguns assuntos de acordo com a única lei que conhecem! Sinceramente!!!

A tarefa de pacificar e levar a água a bom porto com generalidade dos grupos não-alinhados (não filiados na FFP) é hercúlea. Torna-se muito complicado mudar quem não quer mudar uma virgula sequer ao seu registo, mesmo que lhe provem por A mais B que aquilo que fazem está errado. Eu, sinceramente não me acho mais esperto nem inteligente que ninguém, mas caramba, se me demonstrarem que estou a agir incorrectamente num qualquer acto, se me elucidarem e provarem que estou enganado, pelo menos vou comprovar e darei o benefício de dúvida a quem me aborda nesse sentido. Há gente mesquinha, mal-educada, estúpida até e não me alongo mais para não descer mais baixo na minha postura integra, educada e honesta.


Se existe uma ciência que estuda o fenómeno das tradições populares em Portugal, se existe um órgão que tutela o movimento organizado no país, se existem técnicos avalizados que informam e orientam quem não sabe e/ou tem dúvidas sobre o trabalho que desenvolve na área da pesquisa, filtragem, preservação e representação dos usos e costumes ancestrais do povo rural em Portugal, se existe informação quanto baste em plataformas especializadas no ciberespaço, se se realizam encontros, colóquios, congressos para discutir toda a problemática do folclore, se é dada a oportunidade a quem quer que seja, individual ou colectivo, de integrar a dita organização que tutela o movimento em Portugal mediante o cumprimento de determinados parâmetros que atestam do seu estado qualitativo, por que insistem em permanecer de olhos vendados e afastar as abordagens de forma violenta? Sejam humildes caramba, se não querem alinhar na onda, afastem-se e dispam-se de tudo o que os pode associar ao folclore.

Sejam eles próprios, assumam a sua independência da cultura popular tradicional, não enganem ninguém incluindo eles próprios. Se não querem ser verdadeiros com os seus antepassados, assumam-no perante o público ignorante mas ávido de cultura. Ou será que, se não se colarem ao FOLCLORE não têm a mínima chance de sobreviver? Deixo no ar esta questão e já agora, qual a solução para toda esta barafunda onde navega o nosso movimento?

 Caros amigos achei este texto de opinião muito interessante e como tal resolvi o publicar neste  Blogue, espero que alguém tire proveito dele.